O apoio do Brasil na independência da Eslovênia

Durante mais de mil anos, o povo esloveno perseverou como etnia, mantendo sua tradição, sua música, sua gastronomia, enfim, sua cultura, mesmo fazendo parte da geografia de outros países. Ele subsistiu aos romanos, otomanos, italianos, austríacos e, por mais de 70 anos, aos iugoslavos. No dia 25 de junho de 1991, após décadas de luta, a Eslovênia tornava-se um país independente. A comemoração do 30º aniversário da data, porém, é fruto de um esforço coletivo, que não se limitou à região das Balcãs, mas envolveu os eslovenos espalhados pelo mundo — o que certamente incluiu o Brasil, onde a comunidade eslovena está presente há mais de 120 anos. Além disso, o apoio do Brasil foi fundamental para a consolidação da República da Eslovênia. 

Esse breve histórico foi apresentado por Valdeir Vidrik, membro do Conselho do Governo da República da Eslovênia e representante do Brasil para os eslovenos no mundo, que foi o mediador do Slobraz Talk realizado na sexta-feira, 25/6, para celebrar os 30 anos da independência eslovena. O evento virtual contou com a presença de convidados especiais: a embaixadora Débora Barenboim-Šalej; o ministro Francisco Rezek; o presidente emérito da Slobraz Štefan Bogdan Barenboim Šalej e o presidente da União dos Eslovenos do Brasil Martin Črnugelj para falar sobre o tema: “Orgulho de Ser Eslovênia”, resgatando o que vivenciaram na época, como artífices e colaboradores para a soberania eslovena.

O início do evento foi marcado pela apresentação do vídeo comemorativo, mostrando alguns monumentos icônicos do Brasil iluminados com a bandeira da Eslovênia, na véspera da data nacional.  Na sequência, o embaixador da Eslovênia no Brasil, Gorazd Renčelj, disse que o “Orgulho de Ser Eslovênia” refletia o sentimento de todos aqueles ligados à Eslovênia de uma forma ou de outra nestes dias de celebração, assim como daqueles dias históricos. Como um adolescente na ocasião, o embaixador confessou não ter uma compreensão exata do que acontecia na época, mas sabia que aquele momento afetaria o futuro dele, de sua família e amigos, e de todos aqueles com quem compartilhava o idioma e a cultura. Apesar de o exército iugoslavo ter ofuscado um pouco a independência, dando início ao conflito armado, que ficou conhecido como a Guerra dos Dez Dias, Gorazd revelou que sentia que venceriam, pois, a determinação e a crença dos eslovenos na causa eram mais fortes.

O ministro Francisco Rezek recordou um evento anterior, ocorrido um ano antes daquele junho de 1991, quando em uma reunião do G15, em Kuala Lumpur, diplomatas dos países participantes tiveram um diálogo franco com o representante da República Socialista Federativa da Iugoslávia sobre o fim daquela situação de vários países sob uma única bandeira. Segundo o ministro, era um momento da maior importância para a Europa e para o mundo, “de restauração das identidades nacionais que haviam sido artificialmente sufocadas pela União Federal Iugoslava”. Em 1991, o ministro recebeu a visita de Štefan Šalej para conversar sobre o posicionamento do Brasil ante à questão, na mesma época em que o cardeal Angelo Soldano, chanceler do papa João Paulo II, pediu, em nome de sua santidade, que “o Brasil não se demorasse para reconhecer a independência de algumas nações ligadas à Cristandade, que estavam para declarar sua soberania”. Entre elas, encontrava-se a Eslovênia, e o Brasil prontamente se posicionou, sendo um dos primeiros a reconhecer a independência eslovena. Somente no fim de 2017, o ministro relatou que teve a oportunidade de conhecer a Eslovênia, sobre a qual elogiou: “É um lugar mágico, exatamente como imaginava que fosse. A Eslovênia é um país mágico e Liubliana uma cidade mágica”. Após 30 anos, acompanhando as atividades eslovenas no mundo e no Brasil, além do “fato de estar ligado por uma razão incidental: o cumprimento dos deveres de chanceler da República, no ano de 91; de estar ligado à história, em seus primórdios, à história da Eslovênia independente, é motivo de grande orgulho e de grande alegria”, ele complementou. 

A embaixadora Débora Barenboim-Šalej concordou com o ministro Rezek, sobre a Eslovênia ser um lugar mágico. Ela acrescentou que se trata “de um lugar maravilhoso para se estar, e que os brasileiros são sempre bem acolhidos lá”. Para ela, a Eslovênia tornou-se um exemplo de evolução, tendo, em pouco tempo, ingressado na Otan, na União Europeia e adotado o euro como moeda oficial. A aproximação entre os dois países, logo após o reconhecimento da independência da Eslovênia, ocorreu de forma rápida e natural, abrindo espaço para a amizade entre os diplomatas dos dois países. Seu conhecimento sobre a Eslovênia foi gradativo, primeiro como Chefe da Divisão da Europa Central no Itamaraty, depois como ministra conselheira na Embaixada em Viena, com a atribuição de ser representante itinerante para Eslovênia, Eslováquia e Croácia, fase em que começou a viajar com mais frequência para a Eslovênia e a construir o relacionamento bilateral. Por fim, quando a Eslovênia estava prestes a assumir a presidência da União Europeia, foi fundada a embaixada brasileira em Liubliana, sendo o Brasil o primeiro e único país da América Latina a ter uma embaixada na capital eslovena. Sua missão, como primeira embaixadora do Brasil em Liubliana, ela diz ter sido “uma missão de pura alegria e prazer”, e nesse período foram selados importantes acordos, houve aumento do comércio bilateral e da cooperação na área cultural entre o Brasil e a Eslovênia. 

Articulador para o sucesso da independência da Eslovênia em todas as suas dimensões, desde então e até os nossos dias, Šalej foi um dos responsáveis pela isenção de visto de viagem, bilateralmente, em 1996. Seu discurso começou com um agradecimento ao Brasil, que acolheu os eslovenos, há mais de 120 anos, dando-lhes a oportunidade de se desenvolver e de participar do desenvolvimento do próprio país. Šalej ressaltou que “os eslovenos no Brasil sempre foram eslovenos; construíram sua identidade no Brasil, sendo e se comportando como eslovenos, ajudando a construir o país e aproveitando cada oportunidade oferecida a eles”.  Em seguida, falou sobre as contribuições de diversos eslovenos, que se destacaram nas mais diversas áreas, deixando a marca e a identidade eslovena impressas. Além disso, a comunidade eslovena era ativa, disse ele, “ela representava no Brasil um país inexistente, mas uma nação milenar”. Os eslovenos faziam questão de deixar claro que eram eslovenos e não iugoslavos. Essa imagem foi traduzida em todos os campos de colaboração. 

O encaminhamento do processo de independência envolveu não só a constante afirmação da identidade eslovena, mas relações com o governo brasileiro, com várias ações de aproximação, incluindo a participação de artistas brasileiros em exposições e concursos na Eslovênia e vice-versa. Além disso, a Eslovênia começou a desenvolver meios para obtenção de recursos, a fim de se tornar um país financeiramente independente também; por fim, a mídia deveria compreender, assim como os brasileiros e todo o mundo, que os eslovenos não eram parte da Iugoslávia. Algo que a diplomacia brasileira o fez, rapidamente, acreditando na Eslovênia e reconhecendo sua independência. Por tudo isso, Šalej exprimiu sua gratidão aos patrícios, ao governo do Brasil da época e posteriores, à diplomacia e ao ministro Rezek — cujo engajamento pessoal foi fundamental para o reconhecimento —, e ao povo brasileiro, que tem recebido, respeitado e permitido essa ligação frutífera para todos.

Martin Črnugelj falou sobre a impressionante resiliência e força dos eslovenos, que não só resistiram no passado às inúmeras disputas pelo cobiçado território em que viviam, mas à luta pela independência, no qual, mesmo sem poder econômico ou militar, os eslovenos venceram a Iugoslávia e seu respeitado exército. Para ele, isso mostra a capacidade do povo esloveno de adaptar-se e manter sua identidade por mais de mil anos. E salientou: “Devemos ter consciência de como e por onde viemos e quais qualidades nos fizeram sobreviver a tudo isso. Nosso compromisso é para que cultivemos essas qualidades e sobretudo a união”. 

No final, o embaixador Gorazd Renčelj parabenizou a todos e apresentou, ao ministro Francisco Rezek, um documento de reconhecimento e gratidão pela sua contribuição fundamental para uma recém-nascida Eslovênia. Para o embaixador, embora as relações entre brasileiros e eslovenos tenham começado antes dos anos 90, como testemunhado por Šalej e Črnugelj, “essas relações alcançaram um nível novo e o marco histórico foi 24/1/1992, quando uma carta, confirmando que a República Federal do Brasil reconhecia a República da Eslovênia independente, foi recebida em Liubliana”.

A Slobraz agradece o apoio da Embaixada da República da Eslovênia no Brasil, da Slovenian Global Business Network e da União dos Eslovenos do Brasil, e o patrocínio do Escritório do Governo da República da Eslovênia para os Eslovenos pelo Mundo para a realização desse evento. Agradecimentos especiais aos convidados, ao embaixador Gorazd Renčelj, a Valdeir Vidrik, e à presença dos cônsules e do embaixador designado do Brasil na República da Eslovênia Eduardo Prisco, assim como dos demais participantes.

Sobre os palestrantes:

Embaixadora Débora Vainer Barenboim-Salej 

Secretária-Adjunta de Relações Internacionais. Embaixadora extraordinária e plenipotenciária da República da Eslovênia. Iniciou a carreira diplomática em 1981 e serviu nas Embaixadas de Washington, Paris, Viena, México, Porto-Príncipe e Libreville. Foi chefe do Escritório de Representação do Itamaraty em São Paulo e cônsul-geral na Cidade do Cabo. No Ministério das Relações Exteriores, transitou nas áreas política, econômica e comercial. Foi professora do Instituto Rio Branco. Também trabalhou no Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, Ministério da Fazenda, Senado Federal e Ministério do Turismo. Foi a primeira embaixadora do Brasil em Liubliana. 

Exmo. Prof. Dr. Francisco Rezek

Graduado em Direito pela UFMG e doutor em Direito Internacional Público pela Universidade de Paris. Diploma in Law da Universidade de Oxford. Advogado. Juiz da Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas (Haia, 1997-2006). Professor titular de Direito Internacional e Direito Constitucional na Universidade de Brasília. Professor de Direito Internacional no Instituto Rio Branco (1976-1996).

Professor na Academia de Direito Internacional de Haia (1986). Procurador e subprocurador-geral da República (1972-1983). Ministro do Supremo Tribunal Federal (1983-1990 e 1992-1997). Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (1989-1990) e Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil (1990-1992).

Dr. Štefan Bogdan Barenboim Šalej

No Brasil há mais de 60 anos, é presidente-emérito da Câmara de Comércio Eslovênia-Brasil. Idealizador e fundador da Slovenian Global Business Network. Foi presidente de várias entidades empresariais, entre as quais, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Criou a escola técnica em Minas Gerais. Como empreendedor, fundou a Tecnowatt, empresa do setor de iluminação, responsável por iluminar o cartão postal do Brasil, o Cristo Redentor. Primeiro representante diplomático da Eslovênia Independente no Brasil e, posteriormente, enviado especial do Governo da Eslovênia para América Latina. Foi professor em cursos de graduação e pós-graduação no Brasil e na Europa.

Prof. Martin Črnugelj

Esloveno, da cidade de Metlika. Desde 2017, é eleito por unanimidade presidente da União dos Eslovenos do Brasil. Chegou ao Brasil em 1948, onde se formou como engenheiro eletricista pela Escola Politécnica da USP, profissão que exerceu com destaque em grandes empresas como a General Eletric, a Osram e a Siemens. Paralelamente, foi professor titular da Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie; diretor do Comitê Brasileiro de Eletricidade (Cobei); superintendente da ABNT, e secretário do Comitê Brasileiro de Eletricidade junto a IEC-International Electrotechnical Commission.

Para assistir ao vídeo, visite nosso canal do Youtube ou acesse o link. 

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