Dvoršak: a família eslovena que mudou a vida de milhares de brasileiros

“Foi na noite de ano-novo de 1953 para 1954. Seguimos por dentro da floresta, estava muito escuro e a neve bem alta. Em um dos trechos, que era muito íngreme, o pai precisou levar um a um morro acima. Fiquei escondido em uma moita e o pai falou para eu não responder para ninguém, para ficar quietinho. Passou muito tempo e o pai não voltava. Só recentemente fiquei sabendo que a demora era porque o pai não me encontrava. A história poderia ter sido bem diferente, comigo congelado na neve”. Esse testemunho é de Ferdinand Dvoršak, que abriu o primeiro SLOBRAZ Talk de 2022, cujo tema foi a saga inspiradora da família Dvoršak.

Filho primogênito do casal Anton e Marija Dvoršak, Ferdinand era criança quando o pai, a mãe grávida e o irmão mais novo, Peter, deixaram a Eslovênia – que estava sob o domínio iugoslavo –, fugindo da triste realidade do pós-guerra e do regime comunista. Dessa época, outros acontecimentos ficaram na memória dos irmãos, tais como: o episódio com os cães, a chegada à Áustria, os brinquedos do acampamento de refugiados, a viagem para a Itália para embarcar no navio “Giulio Cesare” com destino ao Brasil, a chegada à Praça Mauá e em seguida ao Jardim Primavera, em Duque de Caxias (RJ). 

Marija, Ferdinand, Peter e o pequeno Anton desembarcaram no Rio de Janeiro em 1955. Foram recepcionados por Anton pai, que chegara quase um ano antes, e já tinha conseguido um emprego e alugado uma casa. Não puderam ir todos juntos porque além de não saber o que encontrariam em um país tão distante, não era permitida a viagem de crianças com menos de um ano no navio. A família ficou completa depois, com a chegada do quarto filho, Danilo, o primeiro nascido no Brasil. 

Do Slobraz Talk, só Danilo Dvoršak, que é engenheiro eletricista, não pode participar, pois estava a trabalho em uma embarcação na Bacia de Campos. Ferdinand, Peter e Anton – todos engenheiros, mecânico, químico e eletricista, respectivamente, – contaram, cada um, sua parte na história da família. Se antes da vinda para o Brasil, Ferdinand era o que tinha mais lembranças, Peter falou sobre a vida no Jardim Primavera, os muitos quilômetros andados por ele e o irmão mais velho para chegar à escola e depois as dificuldades financeiras enfrentadas com a morte do pai, em um acidente de lambreta.

A fase da construção da escola é uma das que Peter Dvoršak mais se recorda. Ele conta que como a situação da família estava melhor, com os filhos em uma escola particular, o pai sentia-se incomodado ao ver tantas crianças no bairro, sem condições de estudar. Dessa forma, iniciou um movimento para a criação de uma escola pública na região. Foi de casa em casa convencer as pessoas a participar, seja com doação de dinheiro ou com trabalho. Quando conseguiu o terreno da prefeitura, ele mobilizou a comunidade a fazer um mutirão nos fins de semana para a construção da escola.

Anton Dvoršak, alguns anos mais novo que os irmãos, disse ter conhecimento de muitas passagens somente porque a mãe lhe contava, durante os 20 anos em que ela morou com ele em Brasília. Ele continuou falando sobre a escola, que foi inaugurada quando o pai já tinha falecido, em 1962. Ele foi aluno da primeira turma da escola e permaneceu lá durante quatro anos, correspondentes ao primário. A escola recebeu o nome de seu fundador, Anton Dworsak, com a alteração da letra W talvez para facilitar a pronúncia, e inicialmente tinha apenas três salas. Durante uns três anos, Marija Dvoršak foi contratada como zeladora e ela encarregava cada um dos filhos de varrer uma sala no final do dia. 

Neste ano, a escola Anton Dworsak comemora 60 anos. Atualmente ela possui mais salas e tem mais de 500 alunos matriculados nos três períodos. Por ela passaram milhares de crianças e ela continua beneficiando outras milhares, pois ainda é a única que oferece ensino fundamental para jovens e adultos na região. 

Grande parte dessa história é contada no documentário feito em 2018 por Erika Dvoršak, “Kaj čakaš, Paša? – O que você está esperando?”, título inspirado no jargão do avô, que não aguentava ver ninguém sem fazer nada. A ideia de fazer o registro da história de sua família, assim como os bastidores, Erika revelou durante o encontro. Filha de Ferdinand, ela pertence à segunda geração dos Dvoršak no Brasil, é editora e copywriter, e é considerada a representante eslovena da família, pois é a única que fala o idioma fluentemente. Assim como seus antecessores, ela também tem uma trajetória notável, conquistando várias bolsas para estudar na Eslovênia. 

Além de lembrar a figura do avô, o filme traz o relato da avó Marija, falecida em 2019, aos 90 anos de idade. Mulher forte que conseguiu criar os quatro filhos com apenas um salário-mínimo, após a morte do marido, e que, mesmo diante de tantas dificuldades em sua vida, sempre carregou uma doçura no rosto e em seu canto. Foi ela a responsável por manter a cultura eslovena na família. Segundo Erika, a avó fazia “štrudelj de banana, potica com amendoim, unindo as duas culturas, o melhor dos dois mundos”.

Pedro Dvoršak, que é associado da Slobraz e foi o responsável por fazer chegar a bela história da sua família até a Câmara, é formado em engenharia eletrônica pelo ITA e é sócio de uma consultoria em projetos comerciais e financeiros. Filho de Peter, assim como a prima Erika ele se lembra da receptividade da avó nessas reuniões familiares com comidas eslovenas e jogos de baralho.  

O encontro teve ainda a participação de Bárbara Dvoršak, filha de Peter, que more com sua família na Holanda, e ressaltou o orgulho que ela tem da sua família, especialmente do pai e do tio Ferdinand, que enfrentaram a fase mais difícil e segundo ela: “são exemplos de força, esforço, dedicação, de não desistir, e de estudo. Meu pai sempre disse que a única maneira que se tem de sair da condição de pobreza é pelo estudo”. Da mesma forma, ela, que vive na Holanda, reconhece o legado do avô, cujo “impacto positivo tem efeito até hoje”. 

Para conhecer mais sobre essas e outras histórias da família Dvoršak, assista ao vídeo do Slobraz Talk no link. E também ao documentário, “Kaj čakaš, Paša? O que você está esperando?”.  A duração do filme é de 50 minutos e para ativar a legenda é preciso apertar o botão interlingue no CC (close caption) da barra. Segue o link.  https://www.dvorsak.com/kaj-cakas-pasa-pt

A nova integrante da equipe SLOBRAZ, Mateja Perovšek Ciuchini, organizou e moderou o Slobraz Talk. 

Para saber mais sobre essa família inspiradora, assista ao vídeo com o evento na íntegra em nosso canal do YouTube :

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *